sábado, 18 de outubro de 2014

Reversement

Agrada aos leitores de Nietzsche a ideia que a transvaloração ocupou em seu pensamento. Apenas para ficarmos com um exemplo deste apreço pelo gesto nietzschiano: "Um exame atento dos textos do período da transvaloração revela que vida e vontade de potência estão relacionadas de duas maneiras distintas: em alguns escritos, acham-se claramente identificadas e, em outros, a vida aparece como caso particular da vontade de potência” (MARTON, 2010, p. 102). Apenas por esta observação da pesquisadora, se concordarmos com ela, teremos na transvaloração, provavelmente, o que mais contundente foi em Nietzsche: a vida como um caso particular da vontade de potência; ou, vontade de potência como vida. Esta é a posição de Araldi, sobre um livro específico de Nietzsche: "Na obra Para além de bem e mal e nos escritos da época, prevalece a interpretação da vontade de potência como vida, particularmente nas relações de mando e obediência que perfazem as relações humanas.”(ARALDI, 2012, p. 111). E, certamente, é o nosso autor que explicita essa meditação em dois fragmentos póstumos da primavera de 1888, sob o título “A vontade
de potência como vida”: 14 [173] e [174]: "o que o ser humano quer, o que cada parte mínima de um organismo vivo quer, é um plus de potência.” (Fragmento póstumo 14[174] da primavera de 1888). Ora, prazer e desprazer, como mecanismos de preservação ou metas orgânicas, no pensamento nietzschiano, são reduzidos a fenômenos: o que se quer, afinal, é potência.

Este gesto mostra-nos do que se trata a transvaloração; tornar o que é bom em mal, ou invertê-los, seria uma simplificação sem precedente. Transvalorar, portanto, significaria criar novos valores, fazê-los germinar em outras bases, superá-los para criação do novo.

É neste ponto que encontro, em Derrida, esta possibilidade transvaloradora: o conceito de renversement. Para Santiago (1976, p. 76), este conceito "marca na filosofia ocidental não uma coexistência pacífica, mas uma violenta hierarquia das oposições.” Portanto, quer penetrar no entre, na dobra, no espaçamento dos dualismos para operar o renversement. Como gesto transvalorador, entretanto, não podemos seguir Santiago quando afirma que a estratégia derridiana é a de “inverter a hierarquia das oposições” (idem), pois seria cair em uma espécie de niilismo fraco, já apontado por Heidegger. Pensamos que renversement requer transverter as hierarquias, os dualismos, as oposições, ou, para usar um termo do próprio Santiago: transgredir a fim de “produzir um novo conceito” (idem, p. 77).

Por isso, fazemos a opção de que renversement deva ser entendido como transverter.

A transversão, como gesto desconstrutor, supera os dualismos em direção a um outro novo conceito, que suplementa, ao mesmo tempo que supera, as oposições e dualismos em questão.

Referências

ARALDI, Clademir Luís. A vontade de potência e a naturalização da moral. In: Cadernos Nietzsche, n. 30. São Paulo: 2012, pp. 101-120.
MARTON, Scarlett. Nietzsche: das forças cósmicas aos valores humanos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, 3a. ed.
SANTIAGO, Silviano. Glossário de Derrida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.

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