Aqui
pretendo fazer um resumo do pequeno, mas importante livro de Evando Nascimento
cuja intenção é introduzir o pensamento de Jacques Derrida. Tomarei a liberdade
de apenas indicar a referência, sem os cuidados da notações técnicas, para dar
agilidade ao texto. Quando o contrário impelir-me, farei todas as honras à
ABNT.
Tem
de ser dito, de início, que Jacques Derrida é de família judia. Isso não é
pouca coisa nos anos 1930. Experiências de segregação; é adolescente durante a
segunda guerra; nasce num país que é colônia da França. E para colocar mais
farinha nesse caldo, recebe nome americano. Há muitos nós que precisam ser
rompidos quando se nasce numa circunstância dessa.
Uma
vida, um estilo
Mas,
vamos lá. Nasceu em 15 de julho de 1930, na cidade de El Biar, Argélia
(informações da cidade e da naturalidade de Jacques Derrida).
Vejam
que a vida de um filósofo deve ser tratada em seu movimento com o texto. Isto
não quer dizer que o texto seja uma resposta aos seus dramas pessoais, mas sim
que a vida dá um estilo de pensamento. Recorro a três afirmações que ajudam-me
a montar uma ideia sobre a arte do estilo, e as apresento aqui por ordem de
antiguidade.
Primeira
ideia
Direi
ao mesmo tempo uma palavra geral sobre a minha arte do estilo. Comunicar um
estado, uma tensão interna de phatos por meio de signos, incluído o tempo
desses signos – eis o sentido de todo estilo; e considerando que a
multiplicidade de estados interiores é em mim extraordinária, há em mim muitas
possibilidades de estilo – a mais multifária arte do estilo de que um homem já
dispôs. Bom é todo estilo que realmente comunica um estado interior, que não se
equivoca nos signos, no tempo dos signos, nos gestos – todas as leis do período
são arte dos gestos. Nisso meu instinto é infalível. Bom estilo em si – pura
estupidez, mero “idealismo”, algo assim como o “belo em si”, como o “bom em
si”, como a “coisa em si”… (Nietzsche, Ecce Homo, “Por que escrevo livros tão
bonsӤ 4)
Inicialmente,
estilo têm sentido pois comunicam as forças afetuosas dos corpos; quanto maior
a quantidade de estados interiores, maior a possibilidade de estilos. Portanto,
um estilo não decorre do domínio de uma forma, mas da multiplicidade de tensões
internas. Por esta razão penso que maior será a possibilidade de novidade de
estilos quanto mais numeroso venha a ser a exposição às tensões, e isso pode
vir pelo contato com o diverso da arte.
Segunda
ideia
Dizemos
isto, fazemos aquilo: que modo de existência isso implica? Há coisas que só se
pode fazer ou dizer levado por uma baixeza de alma, uma vida rancorosa ou por
vingança contra a vida. Às vezes basta um gesto ou uma palavra. São os estilos
de vida, sempre implicados, que nos constituem de um jeito ou de outro.
(Deleuze, 1992, p. 126)
Um
estilo está em feitos, em ditos. Estilos está além da formalidade gramatical
para tomar corpo em corpos. Corpos possuem estilos; vidas possuem estilos. É a
baixeza ou a altivez da vida que o que fazer dela. Somos assim, assim, por
gestos e palavras de nosso estilo de vida.
Terceira
ideia
É,
portanto, a pluralidade de estilos, gêneros, tropos e ritmos – textos curtos ou
longos, frases interrompidas, traços longos ou espaços em branco entre os
aforismos, metáforas, níveis diferentes de escrita, alusões, etc. -, que servem
para escritura de Nietzsche como meio de expressar um pensamento que é, em si,
pluralista. (Olini, 2012, p. 42)
Pensamentos
possuem estilos, visto em seu ritmo, suas opções, seus lugares, seu movimento:
dada a intensidade de exposições se terá a virulência ou contaminação dele;
dada a diversidade de exposições haverá sua pluralidade.
Ora,
Derrida tem estilo refinado. Escreve como escreve por que quer fazer o que quer
fazer. Ele dirá que escrever não é apenas saber que pela escritura seja feito o
melhor, em termos de movimento da vontade ou da expressão:
É
também não poder fazer preceder absolutamente o escrever pelo seu sentido:
fazer descer deste modo o sentido mas elevar ao mesmo tempo a inscrição. (...)
Escrever é saber que aquilo que ainda não está produzido na letra não tem outra
residência, não nos espera como prescrição em qualquer Topos oupanion
(localização última) ou qualquer entendimento divino. O sentido deve esperar
ser dito ou escrito para se habitar a si próprio e tornar-se naquilo que a
diferir de si é: o sentido. É o que Husserl nos ensina a pensar em A Origem da
Geometria. O ato literário reencontra assim na sua origem o seu verdadeiro
poder. (Derrida, pp. 13-14)
Portanto,
o estilo da escrita derridiana não carrega sentido prévio, pois sabe que seu
sentido habita a simultaneidade do ato de escrever. Com isso, a escritura não
carrega um sentido dado anteriormente, nem nasce de um sentido: o sentido é
parido no ato da escrita, movimentado pelo estilo. Logo, o estilo está na
origem: o sentido é locatário involuntário do escrevedor, e toma vida própria.
Isso é, ao mesmo tempo, para Derrida, tranquilizante e desesperador. Parece que
isso é notado no estilo derridiano, com seus buracos, lacunas, incompletudes do
texto: quer, pelo estilo, criar um sentido para além do sentido.
Daí
minha concordância com Nascimento da dificuldade que se encontra em localizar
Derrida no panteão dos herdeiros dos debatedores da ágora grega do século V
a.C. Esses amigos da sabedoria têm a marca do discurso público e racional, do
esforço de dizer o que obedece um sentido prévio. Este é o estilo da filosofia.
Não é este o estilo derridiano. Também concordo que o papel da literatura não é
nem o de relacionar filosofia e literatura, nem o de ilustrar um pelo outro.
Talvez no rastro de Heidegger quer colocar estes discursos lado a lado para
criar uma margem entre eles, justamente para situar seu discurso como discurso
de margem; como afirma, ele caminha na direção de filósofos que (…) interrogam
a filosofia para além do seu querer dizer, não a tratam somente como um
discurso, mas como um texto determinado, inscrito num texto geral, encerrado na
representação da sua própria margem. O que obriga não apenas a ter em conta
toda a lógica da margem, mas a tê-la numa conta totalmente diferente; a
relembrar sem dúvida que para além do texto filosófico não há uma margem
branca, virgem, vazia, mas um outro texto, um tecido de diferenças de forças
sem nenhum centro de referência presente (tudo aquilo de que se dizia — a
"história", a "política”, a “economia”, a
"sexualidade" etc — que não estava escrito nos livros: essa
deformação com a qual não se terminou, parece, de fazer marcha atrás, nas
argumentações mais regressivas e em lugares aparentemente imprevisíveis); mas
também que o texto escrito da filosofia (desta vez nos seus livros) excede e
faz quebrar o seu sentido.
Isso
quer dizer que a filosofia e seu texto, na escrita derridiana, não tenha
sentido. Ela tem sentido não como um sentido depositado, mas como sentido
habitado, vivente no texto, e que se inquieta ao ser posto à margem de outros
discursos. Com isso, quer que a filosofia seja vista como texto entre outros
textos, e que deve ser tratado como lógica da margem, isto é, sua operação joga
com o que é interno e externo. Seu sentido sempre vazará dos limites
filosóficos, pois não é controlado por um centro de força, mas sim pela
instabilidade gravitacional. Ora, por isso seu texto sempre dará vertigens,
pois não tratará de tema de competência significativa dadas pela sociedade ou
pela história, mas estará sempre em criação autoral. Não se faz isso a priori;
isso é criação de trajeto.