Universidade Federal do Rio
Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação em Educação
Argumentação,
Estilo, Composição: Introdução à Escrita Acadêmica
Tomaz
Tadeu da Silva
29 maneiras de abrir um texto
O primeiro
parágrafo é, quase sempre, o mais difícil. Mas é também, talvez, o mais
importante. Em primeiro lugar, porque é ele que vai apresentar o argumento, a
tese, o tema, a ideia principal do texto (ensaio, artigo, capítulo, etc.). A
forma do primeiro parágrafo determina, assim, decisivamente, a estrutura e o
desenvolvimento do resto do texto. Um mau começo pode acabar dando num mau
texto ou até mesmo pode fazer com que o texto não vá adiante. Depois, o
primeiro parágrafo é decisivo também para despertar e estimular o interesse de
quem vai lê-lo. O primeiro parágrafo pode ajudar a “pegar” imediatamente o
leitor ou, ao contrário, a afastá-lo do texto logo no começo.
É por isso que
vale a pena investir na elaboração de um bom primeiro parágrafo. No que se
segue, vamos passar em revista algumas sugestões de como escrever um primeiro
parágrafo. É apenas uma lista de sugestões. Pode-se – deve-se! – pensar e
utilizar outras.
1. Uma história, uma
anedota
Não há quem não
goste de uma boa história, uma boa narrativa. Além de seu inegável poder
de atração, uma boa história ajuda a tornar concretas idéias demasiadamente
abstratas.
Certa vez perguntaram ao poeta Sandro Penna por que
ele só escrevia poemas sobre rapazes, quase como uma obsessão, como se o mundo
não estivesse cheio de tantos temas, coisas e fatos. Ele simplesmente
respondeu: “Ah, meu querido, o resto me entedia!”.
(Denilson Lopes. “O homem que amava rapazes (um
ensaio B)”. O homem que amava rapazes e outros ensaios. Rio:
Aeroplano, 2002: 50-66. P. 50)
2. Uma pergunta
(ou uma série de perguntas)
Em geral, o objetivo de um bom texto
dissertativo é discutir um problema, uma questão, um tema polêmico. E a maneira
mais direta de apresentar um problema é precisamente por meio de uma pergunta.
A estratégia de começar por uma pergunta coloca o leitor – e o próprio autor! –
imediatamente no meio do problema.
Por que se discute a “ética” da Medicina?
Tradicionalmente, os estudantes dos cursos médicos aprendiam uma matéria que se
chamava “deontologia”, disciplina que integrava os princípios éticos necessários
ao exercício da profissão. Hoje a deontologia não basta para definir as normas
éticas dessa prática. Por quê? (...)
(José Gil. Metamorfoses do corpo.
Lisboa: Relógio d’Água, 1997. Parágrafo inicial do capítulo “O interior do
corpo e a ética da medicina”, p. 215)
O que acontece com a sexualidade quando professoras
e professores que trabalham no currículo da escola começam a discutir seus
significados? Será que a sexualidade muda a maneira como a professora e o
professor devem ensinar? Ou será que a sexualidade deveria ser ensinada
exatamente da mesma forma que outra matéria? Quando os professores pensam sobre
a sexualidade, o que é que eles pensam? (...)
(Deborah Britzman. “Curiosidade, sexualidade e
currículo”. In Guacira Lopes Louro. O corpo educado. Pedagogias da
sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999: 83-111. Parágrafo inicial, p.
85)
O currículo nacional tem “moral”? Institui um
código, um sistema, uma doutrina moral? Indica o que é bom e o que é mau dizer,
pensar, sentir? Estabelece parâmetros para julgar a conduta humana diante do
bem e do mal? Aponta valores e regras de ação, necessários para uma vida
moralmente boa? (...) Em caso afirmativo, de que tipo é a sua moralidade? Quais
são suas leis, verdades e finalidades morais? Quem é o sujeito que pretende
moralizar?
(Sandra Corazza. O que quer um currículo?
Pesquisas pós-críticas em educação. Petrópolis: Vozes, 2001. Parágrafo
inicial do capítulo 4, p. 77)
3. Uma afirmação forte, surpreendente
Começar com uma afirmação forte,
categórica, quase sempre causa surpresa e gera expectativa. Ela é ainda mais
forte quando a frase que a expressa é curta, econômica, concisa.
Ao final da Idade Média, a lepra desaparece do
mundo ocidental. Às margens da comunidade, às portas das cidades, abrem-se como
que grandes praias que esse mal deixou de assombrar, mas que também deixou
estéreis e inabitáveis durante longo tempo. Durante séculos, essas extensões
pertencerão ao desumano. (...)
(Michel Foucault, início do Cap. 1 de História
da loucura na idade clássica)
O corpo parece ter ficado fora da escola. Esta é,
usualmente, a primeira impressão quando observamos as mais consagradas teorias
educacionais ou os cursos de preparação docente. E talvez não nos surpreendamos
com isto, já que a nossa formação no contexto filosófico do dualismo ocidental
leva-nos a operar, em princípio, com a noção de uma separação entre corpo e
mente. (...)
(Guacira Lopes Louro. Currículo, gênero e
sexualidade. Porto: Porto Editora, 2000. Início do capítulo 5, p. 87)
O estudante estuda. Pensemos, por um momento, que o
estudante estuda. Não está ainda preparando os exames. Tampouco está escrevendo
uma resenha, nem redigindo um trabalho para seu curso. Nem sequer está pensando
em suas coisas: no amanhã, que hoje já ameaça com sua chegada; ou naquilo que
ainda está nele, no dia de ontem. (..) “Estendido no umbral do presente”, livre
de vínculos e livre de pretensões, o estudante simplesmente estuda.
(Jorge Larrosa. Pedagogia profana. Danças,
piruetas e mascaradas. Porto Alegre: Contrabando, 1998. Parágrafo inicial
do Capítulo 10, p. 247)
4. Uma referência literária
Há um personagem de Borges – um estudante de
medicina chamado Baltasar Espinosa – a quem um dia “ocorreu que os homens ao
longo do tempo, repetiram sempre duas histórias: a de um navio perdido que
busca pelos mares mediterrâneos uma ilha querida, e a de um deus que se faz
crucificar no Gólgota”. A história de uma viagem e de um sacrifício. (...)
(Jorge Larrosa. Pedagogia profana. Danças,
piruetas e mascaradas. Porto Alegre: Contrabando, 1998. Parágrafo inicial
do Capítulo 1, p. 25)
5. Uma citação
“Chamamos de loucura essa doença dos órgãos do
cérebro...”. Os problemas da loucura giram ao redor da materialidade da alma.
(Michel Foucault, início do Cap. 7 de A
história da loucura na Idade Clássica)
6. Uma sequencia de citações
Para começar, uma citação de Beyond a
boundary, de C.L.R. James: “O tempo passaria, antigos impérios cairiam e
novos ocupariam seus lugares. As relações de classe tinham de mudar antes que
eu descobrisse que não é a qualidade e a utilidade dos bens que importam, mas o
movimento, não o que você é ou o que tem, mas de onde você vem, para onde vai e
em que ritmo está chegando lá”. Ou começar, de novo, com hotéis. Conrad, nas
primeiras páginas de Vitória: “A época em que estamos acampados
como viajantes desnorteados em um hotel vulgar e sem sossego”. Em Tristes
trópicos, Lévi-Strauss evoca um cubo de concreto fora de escala posto no
meio da recém-construída cidade de Goiânia, em 1937. É seu símbolo da barbárie
da civilização, “um lugar de trânsito, não de residência”. O hotel como estação,
terminal de aeroporto, hospital e assim por diante: um lugar por onde se passa,
onde os encontros são fugazes, arbitrários.
(James Clifford. “Culturas viajantes”. In Antonio
Arantes (org.). O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000:
51-79. Parágrafo inicial, p. 51).
7. Uma afirmação que contradiz a opinião corrente
A prisão é menos recente do que se diz quando se
faz datar seu nascimento dos novos códigos. A forma-prisão preexiste à sua
utilização sistemática nas leis penais. Ela se constituiu fora do aparelho
judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo social, os processos para
repartir os indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los,
tirar deles o máximo de tempo, e o máximo de esforços (...).
(Michel Foucault, parágrafo inicial do Cap. I da
Parte IV de Vigiar e punir)
Verdade trivial à qual é hora de voltar: a
consciência da loucura, pelo menos na cultura européia, nunca foi um fato
maciço, formando um bloco e se metamorfoseando como um conjunto homogêneo. Para
a consciência ocidental, a loucura surge simultaneamente em pontos múltiplos,
formando uma constelação que aos poucos se desloca e transforma seu projeto, e
cuja figura esconde talvez o enigma de uma verdade. Sentido sempre despedaçado.
(Michel Foucault, início da Introdução da Parte II
de A história da loucura na Idade Clássica)
8. Apresentação de um argumento que se vai contradizer
Parece que, por muito tempo, teríamos suportado um
regime vitoriano e a ele nos sujeitaríamos ainda hoje. A pudicícia imperial
figuraria no brasão de nossa sexualidade contida, muda, hipócrita. / Diz-se que
no início do século XVII ainda vigorava uma certa franqueza. / (...) Um rápido
crepúsculo se teria seguido à luz meridiana, até as noites monótonas da
burguesia vitoriana. (...) / Ora, em relação ao que se chamaria “hipótese
repressiva”, podem ser levantadas três dúvidas consideráveis. (...)
(Michel Foucault, início da História da
sexualidade, vol. I)
9. Anúncio de um acontecimento
A loucura, cujas vozes a Renascença acaba de
libertar, cuja violência porém ela já dominou, vai ser reduzida ao silêncio
pela era clássica através de um estranho golpe de força. / (...)
(Michel Foucault, parágrafo inicial do Cap. 2 de A
história da loucura na Idade Clássica)
10. Afirmação de uma identidade
A loucura, portanto, é negatividade. Mas
negatividade que se dá numa plenitude de fenômenos, segundo uma riqueza sabiamente
disposta no jardim das espécies.
(Michel Foucault, início do Cap. 8 da Parte II de História
da loucura na Idade Clássica)
11. Referência a um depoimento
“Uma tarde eu estava ali, olhando muito, falando
pouco, ouvindo o menos possível, quando fui abordado por uma das mais bizarras
personagens desse país, que Deus não deixou que faltasse. É um misto de altura,
baixeza, bom senso e desatino”. No momento em que a dúvida atingia seus perigos
maiores, Descartes tinha consciência de que não podia estar louco – sem que
isso impedisse que reconhecesse, durante muito tempo ainda e até o mau gênio,
que todos os poderes do desatino espreitavam à volta do seu pensamento. (...)
(Michel Foucault, início da Introdução da Parte III
de História da loucura na Idade Clássica)
12. Anúncio ou descrição de uma transformação social ou
histórica
No decorrer do século XVIII, alguma coisa mudou na
loucura. Houve, de início, esse medo que parece ligar o desatino às velhas
obsessões, devolvendo-lhe uma presença que o internamento havia conseguido
evitar – ou quase. (...)
(Início do Cap. 11 da Parte III de História
da loucura na Idade Clássica)
Se o século XX foi o século das mulheres, (...), o
século XXI bem pode ser aquele em que a homossexualidade se institucionaliza e
se estabiliza socialmente. No Brasil dos anos 90, jornais e telenovelas
exploraram mais o tema, embalados pela polêmica suscitada em torno do projeto
de união civil entre pessoas do mesmo sexo, apresentado pela então deputada
federal Marta Suplicy.
(Denilson Lopes. “Escritor, gay”. O homem
que amava rapazes e outros ensaios. Rio: Aeroplano, 2002: 19-42. P. 19)
Vivemos em uma época – costuma-se dizer – em que as
coisas estão se acelerando e se disseminando. O capital está passando por uma
nova fase de internacionalização, especialmente em termos financeiros. Mais
pessoas viajam com mais freqüência e para lugares mais distantes. (...)
(Doreen Massey. “Um sentido global do lugar”. In
Antonio Arantes (org.). O espaço da diferença. Campinas: Papirus,
2000: 176-185. Parágrafo inicial, p. 177)
13. Uma definição
A melancolia não é só uma sensibilidade constituída
a partir da experiência da passagem do tempo, de uma finitude, na dolorosa
dificuldade de esquecer num mundo que prima pela rapidez, mas ela se torna
mesmo a base de uma formação (Bildung) adequada à contemporaneidade.
(...)
(Denilson Lopes. “A viagem e uma viagem”. O
homem que amava rapazes e outros ensaios. Rio: Aeroplano, 2002: 165-186. P.
165)
14. Uma afirmação sobre fato social que pede demonstração ou que
dá contexto para o que se segue
A condição estrangeira se dissemina e se massifica,
diante dos cada vez mais intensos fluxos migratórios que atravessam o planeta.
Nesse contexto, o que pretendo tratar não é tanto da experiência de mal-estar
do intelectual moderno exilado, devido a dificuldades políticas e/ou pela perda
de papel social no seu país. (...) Os textos sobre os quais vou falar tratam de
personagens urbanos, de classe média (...).
(Denilson Lopes. “Entre homens, entre lugares”. O
homem que amava rapazes e outros ensaios. Rio: Aeroplano, 2002: 187-212. P.
187).
Nos últimos anos, as pressões para o ajuste às
normas do mercado global têm criado programas de reestruturação urbana
surpreendentemente similares. Os centros das cidades fazem brotar arranha-céus
em “distritos financeiros” e museus de arte em “distritos culturais”, e os dois
distritos normalmente se desenvolvem ao mesmo tempo. (...)
(Sharon Zukin. “Paisagens do século XXI: notas
sobre a mudança social e o espaço urbano”. In Antonio Arantes (org.). O
espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000: 104-115. Parágrafo inicial,
p. 104)
15. Uma história pessoal, subjetiva
Nos anos 80, urbanóide, intelectualizado, tímido,
pop, trazendo no corpo e nos silêncios os ecos de uma abertura política lenta e
gradual, não me via no cinema brasileiro, na sua história. Aprendi a gostar de
filmes brasileiros não pelo Cinema Novo nem pelo Cinema Marginal, mas pelo
chamado Neon-Realismo (...). Me vi na solidão geracional do adolescente de Nunca
fomos tão felizes, de Murilo Salles. Pegue ansiosamente a fila no Festival
de Cinema de Brasília pra ver a estréia de Anjos da noite, de
Wilson Barros. Houve troca de rolo. Não importou. (...)
(Denilson Lopes. “Onde andará o meu amor?”. O
homem que amava rapazes e outros ensaios. Rio: Aeroplano, 2002: 213-246. P.
213)
Aqueles que, como eu, nasceram no Reino Unido no
imediato pós-guerra foram treinados para escrever ensaios. Esperava-se que
ordenássemos nossos pensamentos para construir um raciocínio com uma introdução
e uma conclusão. No entanto, mais recentemente, com o surgimento da comunicação
eletrônica por meio dos microcomputadores e da internet, estamos diante do
desafio de aprender a operar em formatos de multimídia. O texto torna-se apenas
um dos aspectos, acompanhados por imagens, vídeo, música e palavra falada. Em
conseqüência, o aprendizado tem de abandonar a forma do ensaio e escrever em
“nacos”, bem delimitados, suficientes em si mesmos, que possam ser consumido
numa única “mordida”. (...)
(Mike Featherstone. “O flâneur, a cidade e a vida
pública virtual”. In Antonio Arantes (org.). O espaço da diferença.
Campinas: Papirus, 2000: 186-207. Parágrafo inicial, p. 187)
Como jovem mulher, eu sabia que a sexualidade era
um assunto privado, alguma coisa da qual deveria falar apenas com alguém muito
íntimo e, preferentemente, de forma reservada. A sexualidade – o sexo, como se
dizia – parecia não ter nenhuma dimensão social; era um assunto pessoal e
particular que, eventualmente, se confidenciava a uma amiga próxima. “Viver”
plenamente a sexualidade era, em princípio, uma prerrogativa da vida adulta, a
ser partilhada com um parceiro do sexo oposto. (...)
(Guacira Lopes Louro. “Pedagogias da sexualidade”.
In Guacira Lopes Louro. O corpo educado. Pedagogias da sexualidade.
Belo Horizonte: Autêntica, 1999: 9-34. Parágrafo inicial, p. 9).
16. Exemplo(s)
Esta mulher que vejo andando em minha direção, este
homem que passa na rua, esse mendigo que ouço cantar de minha janela são objetos para
mim, sem a menor dúvida. Assim, é verdade que ao menos uma das modalidades da
presença do outro a mim é a objetividade. (...)
(Jean-Paul Sartre. O ser e o nada. Ensaio
de ontologia fenomenológica. Petrópolis: Vozes, 1997. P. 326, parágrafo
inicial de seção)
17. Declaração que pede, exige demonstração
Qualquer discurso sobre o corpo parece ter que
enfrentar uma resistência. Ela provém certamente da própria natureza da
linguagem: como para a morte ou para o tempo, a linguagem esquiva-se à intenção
de definir (...).
(José Gil. Metamorfoses do corpo.
Lisboa: Relógio d’Água, 1997. Parágrafo inicial do livro, 13).
18. Uma afirmação filosófica, fenomenológica
De outrem, da sua subjetividade, não tenho senão
uma experiência indireta. A percepção direta de seus sentimentos, emoções,
pensamentos, é-me vedada; apenas através da mediação do corpo me é dado inferir
que estou em presença de outro “eu”, um “alter ego”. Essa mediação compõe-se
essencialmente de “indicações” corporais.
(José Gil. Metamorfoses do corpo.
Lisboa: Relógio d’Água, 1997. Parágrafo inicial do capítulo “O interior do
corpo”, p. 147)
19. Um diagnóstico
Para uma disciplina cujo rito de passagem central é
o trabalho de campo, cuja fascínio tem-se baseado na exploração do remoto
(...), surpreendentemente tem havido, na teoria antropológica, pouca
consciência da questão do espaço. (...)
(Akhil Gupta e James Ferguson. “Mais além da
‘cultura’: espaço, identidade e política da diferença”. In Antonio A. Arantes
(org.). O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000: 30-49.
Parágrafo inicial, p. 30).
20. Uma descrição
O “Veículo do sem-teto” é uma intervenção
dissonante na paisagem. Projetado por Krzysztof Wodiczko, um artista de Nova
York, o veículo foi exibido pela primeira vez em 1988. O protótipo foi
construído a partir de consultas (...). Projeto em andamento, passou por
revisões e modificações contínuas, e comporta agora quatro variantes. (...)
Nessa simbiose de objeto simbólico e funcional, o “Veículo do sem-teto” revela
uma dimensão vital de uma política espacializada, a saber, a importância da
escala.
(Neil Smith. “Contornos de uma política
espacializada: veículos dos sem-teto e produção de escala geográfica”. In
Antonio Arantes (org.). O espaço da diferença. Campinas: Papirus,
2000: 133-159. Parágrafo inicial, p. 133)
Comecemos com uma imagem que tem assombrado nossa
imaginação na última década: os olhos afundados, os corpos macilentos, a
coragem aparentemente arruinada das pessoas com AIDS.
(Jeffrey Weeks. “O corpo e a sexualidade”. In
Guacira Lopes Louro. O corpo educado. Pedagogias da sexualidade.
Belo Horizonte: Autêntica, 1999: 35-82. Parágrafo inicial, p. 37)
21. Referência a uma canção, a um filme, a um livro, etc.
“O que será que será / Que todos os avisos não vão
evitar / Porque todos os risos vão desafiar / Porque todos os sinos irão
repicar / (...) / O que não tem governo nem nunca terá / O que não tem vergonha
nem nunca terá / O que não tem juízo” (Chico Buarque, O que será?).
Uma pergunta é provocativamente repetida numa das músicas mais bonitas e
conhecidas de Chico Buarque: O que será? Para incitar a sua
resposta, multiplicam-se pistas nos vários versos, que mexem com representações
de desejo e prazer, que falam de uma força que “bole por dentro” e “brota à
flor da pele; de algo que faz “confessar” e “corar”, de alguma coisa que
“desacata”. A resposta mais imediata (ainda que talvez não a única) parece ser
a sexualidade, representada aqui como uma energia, um turbilhão de emoções e
sensações que move todos os indivíduos, independentemente da sua vontade; uma
força incontrolável e nunca saciada.
(Guacira Lopes Louro. Currículo, gênero e
sexualidade. Porto: Porto Editora, 2000. Início do capítulo 3, p. 37)
22. Referência à etimologia de uma palavra ou a seu significado
no dicionário
Quem confia nos dicionários (e desconfia do que ali
não está) talvez tenha resistência em iniciar este diálogo. No sentido muito
específico e particular que nos interessa aqui, gênero não
aparece no Aurélio. Mas as palavras podem significar muitas coisas.
Na verdade, elas são fugidias, instáveis, têm múltiplos apelos...
(Guacira Lopes Louro. Gênero, sexualidade e
educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.
Primeiro parágrafo do capítulo 1, p. 14).
23. Uma sequencia ou série de substantivos/adjetivos ou de
orações substantivas/adjetivas
Diferenças. Distinções. Desigualdades... A escola
entende disso. Na verdade, a escola produz isso. Desde seus inícios, a
instituição escolar exerceu uma ação distintiva. (...)
(Guacira Lopes Louro. Gênero, sexualidade e
educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.
Primeiro parágrafo do capítulo 3, p. 57. Pontuação ligeiramente modificada,
para efeitos didáticos)
24. Um tom subjetivo
Algumas vezes me vi embaraçada pela adjetivação feminista.
Como incorporá-la ao trabalho acadêmico, mais especialmente, como incorporá-la
à atividade de investigação de modo que esse trabalho e essa investigação
fossem respeitados como sérios, críticos, dignos de atenção e credibilidade?
(..) Afinal, o que significa ser, hoje, feminista?
(Guacira Lopes Louro. Gênero, sexualidade e
educação. Uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.
Primeiro parágrafo do capítulo 6, p. 142.)
25. Entrar direto no assunto (de preferência com uma frase
curta)
As teorias pós-críticas em educação nos levam a
questionar as subjetividades de personagens por demais familiares. A perguntar,
por exemplo: De que modo e porque, nisso que chamamos o “Ocidente”, o humano
foi objetivado como infantil, aluno, mulher, anormal, homem, branco, doente,
homossexual, louca, criminoso, brasileira? Tais teorias nos fazem suspender a
naturalidade a-histórica com que postulamos uma antropologia constitutiva ou
qualquer ontologia transcendental. (...)
(Sandra Corazza. O que quer um currículo?
Pesquisas pós-críticas em educação. Petrópolis: Vozes, 2001. Parágrafo
inicial do capítulo 3, p. 56)
Não há conceitos da filosofia do inferno em si
mesmos. Eles são sempre o resultado de trabalho do pensamento sobre matérias de
inquietante estranheza, experiências paradoxais, intensidades-limites. Não
dizem as coisas em sua essência, seja elevada, baixa, refinada, grosseira,
bela, monstruosa, trágica, cômica. (...)
(Sandra Corazza. Para uma Filosofia do
Inferno na Educação. Nietzsche, Deleuze e outros malditos afins. Belo
Horizonte: Autêntica, 2002. Início do capítulo “Amigo do estranho? Não,
estranho em potência”, p. 37)
26. Alusão indireta a outro(s) texto(s)
Um espectro ronda o currículo: o espectro do
pós-currículo. Todos os poderes do velho currículo aliaram-se para uma santa
caçada a este espectro: tecnicistas e emancipatórios, críticos e liberais,
sociólogos e consensuais, marxistas e neoconversos, radicais cidadãos e
polícias do Rei, sindicalistas e o Papa.
(Sandra Corazza. O que quer um currículo?
Pesquisas pós-críticas em educação. Petrópolis: Vozes, 2001. Parágrafo
inicial do capítulo 6, p. 128)
27. Referência a um autor ou a uma teoria
Basil Berstein estudo de modo magistral os
princípios que estruturam o que ele denomina texto pedagógico. O texto
pedagógico, diz Berstein, configura-se mediante a apropriação de outros textos
que foram selecionados, descontextualizados, transformados e recontextualizados:
a literatura escolar não é a Literatura, do mesmo modo que a física escola não
é a Física e a história escolar não é a Física. (...)
(Jorge Larrosa. Pedagogia profana. Danças,
piruetas e mascaradas. Porto Alegre: Contrabando, 1998. Parágrafo inicial do
Capítulo 5, p. 145)
28. Referência a um ato concreto
Há ocasiões em que a aventura da palavra se dá em
um ato de ler em público. Em tais ocasiões, e especialmente quando esse ato de
ler em público tem lugar em uma sala de aula, costumamos dizer que se trata de
uma lição. Lição, lectio, leitura. Uma lição é uma leitura e, ao
mesmo tempo, uma convocação à leitura uma chamada à leitura.
(Jorge Larrosa. Pedagogia profana. Danças,
piruetas e mascaradas. Porto Alegre: Contrabando, 1998. Parágrafo inicial do
Capítulo 6, p. 173)
29. Referência ao próprio texto (metalinguagem)
Os títulos dos Seminários, dos Congressos, das
Jornadas e demais eventos desse tipo são, sempre, um pouco pomposos. E essa
questão de “formar o pensamento, pensar a formação” não é uma exceção. Esse
Seminário é excepcional em muitas coisas, mas não é excepcional, e talvez não
poderia sê-lo, no fato de nos convocar sob um título pomposo. (....)
(Jorge Larrosa. Pedagogia profana. Danças,
piruetas e mascaradas. Porto Alegre: Contrabando, 1998. Parágrafo inicial
do Capítulo 8, p. 208)